Os consultores do futuro virão do Sol Nascente
O Japão quer ser no século XXI o número um no mundo em soluções para problemas críticos
Jorge Nascimento Rodrigues, editor de Gurusonline.tv, Outubro 2003, Crónica sobre o Século da Ásia para o Canal "Vento d'Oriente" da Janelanaweb.com, Artigo para o Dossiê "Ásia século XXI"
Apesar da ascensão imparável da China e da Índia esperada para a primeira metade deste século, e da provável descida do Japão de segunda maior potência económica mundial para a quinta posição em 2050, o arquipélago do Sol Nascente quer ser número um num outro campeonato global. «O Japão poderá ser, neste século, o líder em soluções para problemas críticos do futuro - na energia, na ecologia, na agricultura - e em sectores de produtos de consumo e em áreas da cultura de massas e do design», afirmou ao Expresso Seiichiro Yonekura, um professor de história empresarial no Instituto de Investigação em Inovação da Universidade de Hitotsubashi, no campus universitário de Kunitachi, na área metropolitana de Tóquio. Yonekura, um aluno da escola de Alfred Chandler, o fundador da história da gestão, veio a Lisboa falar da cultura e inovação no seu país, no quadro dos 460 anos de comemoração da primeira visita de três portugueses em 1543.
Para Yonekura, a aposta, agora, deverá ser diferente da que ocorreu nos últimos 130 anos: «Não devemos competir mais para número um no poder económico ou militar». Esse capítulo está encerrado, diz este doutorado em Harvard, sobretudo depois de dois ciclos históricos em que o Japão viveu ambições hegemónicas - primeiro com a ascensão militarista iniciada com as campanhas da China e da Rússia desde finais do século XIX e com a expansão nos anos 30 e 40 do século passado até à derrota em Agosto de 1945, e, depois, com a luta do Japão corpo-a-corpo com os Estados Unidos nos anos 80 em termos de referência mundial na gestão, eficiência, produtividade e competitividade económicas e na estratégia de aquisições e deslocalizações.
Mudanças de pele
O Japão mudou sucessivamente de pele em um século - de potência militar para grande derrotado nos anos 40 do século passado, para exemplo de desenvolvimento rápido e com sucesso nos anos 60, transformando-se em modelo para os "tigres do Pacífico", e para referência das melhores práticas de management empresarial nos anos 80. Neste último caso, basta recordar "palavrões" que ficaram na gíria da gestão, como 'just-in-time', 'kanban', 'kaizen', 'zero defeitos', 'zero desperdício' ("muda", em japonês), 'keiretsu' (forma de organização vertical na indústria) e 'shogo-shohas' (núcleo estratégico nas multinacionais japonesas). Gurus como Taiichi Ohno, Kaoru Ishikawa e Masaaki Imai na gestão e Kenichi Ohmae na estratégia, fizeram as delícias de milhões de executivos no Ocidente.
Fruto destas mudanças, muitos comparam o Japão à mitológica fénix, que sempre renasce das cinzas. Yonekura sublinha que nada disto foi milagroso: «Foi fruto das outras duas grandes apostas desde a Restauração Meiji em 1868 - na industrialização e na educação».
Mas subitamente o êxito de quarenta anos sofreu um choque. «Dois acontecimentos fundamentais aconteceram em finais dos anos 80 e princípio dos anos 90 do século passado - primeiro, a globalização; depois, a digitalização», afirma o professor japonês que é, também, director do Instituto de Estratégia da Sony. Precisamente, Akio Morita, o antigo líder daquela multinacional, foi o primeiro, em 1992, a perceber esta ruptura e a falar da crise do "Japão Inc.".
A globalização financeira acelerada com a queda do Muro de Berlim - em particular o papel crescente dos fundos institucionais nos ciclos bolsistas e na conquista progressiva de posições nas multinacionais e conglomerados de todo o mundo - e a revolução digital a partir de meados dos anos 90 deram um golpe sério no modelo japonês. «O nosso modelo - emprego para toda a vida, cruzamento de participações, ligação íntima entre banca e indústria, e entre os conglomerados e a política - deixou de ser competitivo», sublinha Seiichiro Yonekura, que prossegue: «O outro choque veio da digitalização. Fomos mestres na integração e junção de coisas. Mas a digitalização exige outras aptidões - de modularidade e de arquitectura». E aí as empresas americanas voltaram a ter a liderança.
Mas o professor japonês é optimista - a fénix voltará a renascer. O século XXI abriu "um novo jogo", onde o Japão tem cartas fortes para dar (ver caixa). Há, contudo, dois bloqueios "estruturais", frisa o professor de história, que reduzem as hipóteses de triunfo a 50%. Um tem a ver com a Universidade: «É muito provinciana, não é global, como o sistema americano. Temos de abrir o nosso sistema universitário». Outro com a política: «Precisamos ainda de mais duas a três eleições para reformar o sistema político», conclui SeiichiroYonekura.
JOGO À JAPONESA
O Japão pode aspirar à liderança em áreas críticas no futuro ligadas à ecologia, à energia e à agricultura. «Imagine o que serão as centenas de milhões de chineses a conduzir os carros actuais ou a consumir determinados electrodomésticos. É impossível. Por isso, a Toyota e a Honda estão a vender um novo tipo de carros e a apostar em electrodomésticos com sistemas avançados amigos do ambiente e que poupem energia», refere Seiichiro Yonekura. Por outro lado, no campo agrícola, o Japão pretende ser pioneiro, segundo o professor japonês: «A guerra pela água e pela comida pode ser muito séria no futuro, com falta de água em 2020 em países como a China e a Índia. As tecnologias agrícolas serão, então, críticas, e nós acumulámos conhecimento em áreas, como a biotecnologia, a melhoria dos solos, etc. Poderemos ser um fornecedor de soluções e um consultor».
Também, no campo tecnológico, o país do "walkman" criado pela Sony, das consolas de jogos, do "tamagotchi" para as crianças ou dos robôs mais recentes com vida artificial, pode dar cartas no novo jogo do "consumo digital". «Somos competitivos em todo o tipo de aparelhos digitais que o cidadão vai usar no século XXI - televisão, rádio, telemóveis, relógios, electrodomésticos, etc. - com Internet embutida», explica Yonekura. Os japoneses desenvolveram inclusive todo um novo segmento consumista de "gadgets" digitais para crianças, adolescentes e adultos.
Também, na cultura e lazer, o Japão tem marcado posição em certos segmentos, como na música, na animação, nos jogos. «Uma das nossas exportações é vista todos os dias de manhã pelas crianças na televisão - a animação». E o design japonês é cada vez mais referenciado: «Ainda recentemente, Takashi Murakani foi convidado para designer-chefe da colecção de malas de Louis Vuitton».
DADOS ECONÓMICOS DE REFERÊNCIA
O Japão é actualmente a 2ª maior economia do mundo em PIB, mas em 2050 terá descido para 5ª (depois da China, EUA, Índia, União Europeia)
Informação sobre o Japão
The Japan Times - www.japantimes.co.jp
JETRO-Japan External Trade Organization - www.jetro.go.jp
Asahi Shimbun - www.asahi.com/english/english.html
O Japão quer ser no século XXI o número um no mundo em soluções para problemas críticos
Jorge Nascimento Rodrigues, editor de Gurusonline.tv, Outubro 2003, Crónica sobre o Século da Ásia para o Canal "Vento d'Oriente" da Janelanaweb.com, Artigo para o Dossiê "Ásia século XXI"
Apesar da ascensão imparável da China e da Índia esperada para a primeira metade deste século, e da provável descida do Japão de segunda maior potência económica mundial para a quinta posição em 2050, o arquipélago do Sol Nascente quer ser número um num outro campeonato global. «O Japão poderá ser, neste século, o líder em soluções para problemas críticos do futuro - na energia, na ecologia, na agricultura - e em sectores de produtos de consumo e em áreas da cultura de massas e do design», afirmou ao Expresso Seiichiro Yonekura, um professor de história empresarial no Instituto de Investigação em Inovação da Universidade de Hitotsubashi, no campus universitário de Kunitachi, na área metropolitana de Tóquio. Yonekura, um aluno da escola de Alfred Chandler, o fundador da história da gestão, veio a Lisboa falar da cultura e inovação no seu país, no quadro dos 460 anos de comemoração da primeira visita de três portugueses em 1543.
Para Yonekura, a aposta, agora, deverá ser diferente da que ocorreu nos últimos 130 anos: «Não devemos competir mais para número um no poder económico ou militar». Esse capítulo está encerrado, diz este doutorado em Harvard, sobretudo depois de dois ciclos históricos em que o Japão viveu ambições hegemónicas - primeiro com a ascensão militarista iniciada com as campanhas da China e da Rússia desde finais do século XIX e com a expansão nos anos 30 e 40 do século passado até à derrota em Agosto de 1945, e, depois, com a luta do Japão corpo-a-corpo com os Estados Unidos nos anos 80 em termos de referência mundial na gestão, eficiência, produtividade e competitividade económicas e na estratégia de aquisições e deslocalizações.
Mudanças de pele
O Japão mudou sucessivamente de pele em um século - de potência militar para grande derrotado nos anos 40 do século passado, para exemplo de desenvolvimento rápido e com sucesso nos anos 60, transformando-se em modelo para os "tigres do Pacífico", e para referência das melhores práticas de management empresarial nos anos 80. Neste último caso, basta recordar "palavrões" que ficaram na gíria da gestão, como 'just-in-time', 'kanban', 'kaizen', 'zero defeitos', 'zero desperdício' ("muda", em japonês), 'keiretsu' (forma de organização vertical na indústria) e 'shogo-shohas' (núcleo estratégico nas multinacionais japonesas). Gurus como Taiichi Ohno, Kaoru Ishikawa e Masaaki Imai na gestão e Kenichi Ohmae na estratégia, fizeram as delícias de milhões de executivos no Ocidente.
Fruto destas mudanças, muitos comparam o Japão à mitológica fénix, que sempre renasce das cinzas. Yonekura sublinha que nada disto foi milagroso: «Foi fruto das outras duas grandes apostas desde a Restauração Meiji em 1868 - na industrialização e na educação».
Mas subitamente o êxito de quarenta anos sofreu um choque. «Dois acontecimentos fundamentais aconteceram em finais dos anos 80 e princípio dos anos 90 do século passado - primeiro, a globalização; depois, a digitalização», afirma o professor japonês que é, também, director do Instituto de Estratégia da Sony. Precisamente, Akio Morita, o antigo líder daquela multinacional, foi o primeiro, em 1992, a perceber esta ruptura e a falar da crise do "Japão Inc.".
A globalização financeira acelerada com a queda do Muro de Berlim - em particular o papel crescente dos fundos institucionais nos ciclos bolsistas e na conquista progressiva de posições nas multinacionais e conglomerados de todo o mundo - e a revolução digital a partir de meados dos anos 90 deram um golpe sério no modelo japonês. «O nosso modelo - emprego para toda a vida, cruzamento de participações, ligação íntima entre banca e indústria, e entre os conglomerados e a política - deixou de ser competitivo», sublinha Seiichiro Yonekura, que prossegue: «O outro choque veio da digitalização. Fomos mestres na integração e junção de coisas. Mas a digitalização exige outras aptidões - de modularidade e de arquitectura». E aí as empresas americanas voltaram a ter a liderança.
Mas o professor japonês é optimista - a fénix voltará a renascer. O século XXI abriu "um novo jogo", onde o Japão tem cartas fortes para dar (ver caixa). Há, contudo, dois bloqueios "estruturais", frisa o professor de história, que reduzem as hipóteses de triunfo a 50%. Um tem a ver com a Universidade: «É muito provinciana, não é global, como o sistema americano. Temos de abrir o nosso sistema universitário». Outro com a política: «Precisamos ainda de mais duas a três eleições para reformar o sistema político», conclui SeiichiroYonekura.
JOGO À JAPONESA
O Japão pode aspirar à liderança em áreas críticas no futuro ligadas à ecologia, à energia e à agricultura. «Imagine o que serão as centenas de milhões de chineses a conduzir os carros actuais ou a consumir determinados electrodomésticos. É impossível. Por isso, a Toyota e a Honda estão a vender um novo tipo de carros e a apostar em electrodomésticos com sistemas avançados amigos do ambiente e que poupem energia», refere Seiichiro Yonekura. Por outro lado, no campo agrícola, o Japão pretende ser pioneiro, segundo o professor japonês: «A guerra pela água e pela comida pode ser muito séria no futuro, com falta de água em 2020 em países como a China e a Índia. As tecnologias agrícolas serão, então, críticas, e nós acumulámos conhecimento em áreas, como a biotecnologia, a melhoria dos solos, etc. Poderemos ser um fornecedor de soluções e um consultor».
Também, no campo tecnológico, o país do "walkman" criado pela Sony, das consolas de jogos, do "tamagotchi" para as crianças ou dos robôs mais recentes com vida artificial, pode dar cartas no novo jogo do "consumo digital". «Somos competitivos em todo o tipo de aparelhos digitais que o cidadão vai usar no século XXI - televisão, rádio, telemóveis, relógios, electrodomésticos, etc. - com Internet embutida», explica Yonekura. Os japoneses desenvolveram inclusive todo um novo segmento consumista de "gadgets" digitais para crianças, adolescentes e adultos.
Também, na cultura e lazer, o Japão tem marcado posição em certos segmentos, como na música, na animação, nos jogos. «Uma das nossas exportações é vista todos os dias de manhã pelas crianças na televisão - a animação». E o design japonês é cada vez mais referenciado: «Ainda recentemente, Takashi Murakani foi convidado para designer-chefe da colecção de malas de Louis Vuitton».
DADOS ECONÓMICOS DE REFERÊNCIA
O Japão é actualmente a 2ª maior economia do mundo em PIB, mas em 2050 terá descido para 5ª (depois da China, EUA, Índia, União Europeia)
Informação sobre o Japão
The Japan Times - www.japantimes.co.jp
JETRO-Japan External Trade Organization - www.jetro.go.jp
Asahi Shimbun - www.asahi.com/english/english.html